segunda-feira, 2 de julho de 2012

Dados e Fatos sobre Comércio Internacional de Carnes Bovinas

Autor : Osler Desouzart (Consultor; ODConsulting- Planejamento e Estratégia)

O mestre e guru, Professor Vicente Falconi, já nos ensinava em sua obra indispensável, TQC Controle da Qualidade Total no Estilo Japonês que o objetivo de uma empresa era sobreviver diante da concorrência internacional, condensado em sua frase genial "o mercado internacional inclui a rua em que vives". Os ensinamentos de Falconi precedem ao fenômenoda globalização se tornar tema corriqueiro e à explosão internacional que o agronegócio brasileiro experimentou, principalmente a partir de 1995. O gráfico I nos permite visualizar o quanto o mestre tinha e tem razão. A cada ano que passa o comércio internacional de carnes responde por parcelas crescentes da produção mundial decarnes. Evidentemente que a cada crise econômica mundial, este crescimento sofrerá solução de continuidade, pois diante de uma queda na demanda é muito mais fácil, rápido e economicamente atraente frear importações do que diminuir a produção nacional. Passado o período de crises, as transações internacionais voltam a se acelerar e estou prognosticando que em 2011 mais de 9,5% da produção mundial de carnes será consumido fora do país onde foi produzida. O comportamento do mercado internacional de carnes nos três primeiros meses do ano permite mesmo dizer que meus prognósticos serão facilmente superados e que neste ano estarem os de volta ao crescimento de dois dígitos.

Gráfico I
Aqueles que integram as equipes de planejamento estratégico de suas empresas nunca deverão deixar de considerar que crises são cíclicas. Mais cedo ou mais tarde elas ocorrerão e por mais severas que sejam, como a de 1929, elas não são eternas e um dia o mercado retomará.
A única coisa que tem crescimento permanente e garantido são a carga fiscal brasileira e o aumento dos escândalos envolvendo malversação do dinheiro público, majoritariamente impunes. Isto acompanhado por declarações de autoridades informando que a nossa carga fiscal é igualzinha a da Dinamarca, omitindo que nossos serviços públicos aproximam-se aos de Burundi.
Aproveito este interregno para pedir aos leitores que me perdoem por não seguir a nova orientação dos livros didáticos, custeados com o dinheiro público que sai dos nossos bolsos, ensine a irrelevância da concordância do plural, enquanto o Ministro da Educação - também pago com o nosso suado dinheiro - diz que seu ministério não tem nada com isso, pois seria censura interferir com a escolha de livros pelo corpo docente. Estou aguardando que se anuncie para breve a flexão dos advérbios, consagrando a forma "menas" usado fartamente em discursos e que em nome de se evitar o preconceito lingüístico seja perfeitamente aceito
como português escorreito a frase: "os cumpanheiro tá sofrendo menas perseguição da zelites que só faz pobrema". Ensinar não significa vilipendiar a forma popular do falar, pois esta se aprende fora da escola e não carece de livros didáticos. Ensinar é dar o direito de aprender a outra forma de falar e escrever o idioma, consagrada por escritores e pela academia. Quando se confunde isto por motivações ideológicas prega-se o maniqueísmo ditatorial. Que tal dar aos estudantes a possibilidade de falar e escrever "os companheiros estão sofrendo menos perseguições das elites que só causam problemas"?
Que Machado de Assis os perdoe e que Olavo Bilac seja levado da condição de poeta para profeta ao ter escrito: "Criança, jamais verás terra como esta".
Saindo das "razões pelas quais vou emigrar" e voltando ao tema do comércio internacional de carnes. Não há hoje como equacionar o abastecimento de carnes no mundo sem contemplar que parcela desse abastecimento terá que ser feito fora das fronteiras nacionais. Esta situação se torna particularmente verdadeira quando vemos que Ásia e África serão os grandes vetores da demanda futura de carnes. Ditas regiões estão experimentando um aumento dos ingressos de suas populações que até atingirem US$ 7,00/per capita/dia serão utilizados majoritariamente para melhoria de suas dietas, com maior ingestão de produtos de origem
animal. Estes requerem quatro vezes mais recursos naturais que os de origem vegetal e em muitos dos países daquelas regiões tais são insuficientes para presidir à mudança inevitável da dieta de suas populações.
Em média, nos países ricos "come-se" 3.000 litros de água por dia e "bebe-se" entre 2 e 5 litros de água por dia2. Na medida em que a renda aumenta o consumidor sai do trigo, do milho, do arroz e da soja para as carnes. Um quilograma de carne bovina exige até 16.0003 litros de água para ser produzido.
Muitos dos países asiáticos e africanos que responderão por 89,7% do crescimento demográfico mundial4 até 2050 (cf.Tabela I) apresentam carências de recursos naturais necessários à migração da "soja para o bife" .

Tabela I
A carência desses recursos pode ser contornada através da importação de "recursos naturais virtuais", ou seja, através da importação de produtos que exigem maiores quantidades de recursos naturais (principalmente, terra arável e água) na sua produção.
No caso das carnes, isto já está acontecendo como demonstrado no Gráfico II, onde podemos constatar que os Países em Desenvolvimento que respondiam por 15,4% das importações mundiais de todas as carnes, hoje respondem por 55,4% das importações mundiais.

Gráfico II
No Brasil, mui infelizmente, ainda vigora a cultura do "eu acho", "eu estou certo que", "estou convencido" e outras afirmações do empirismo. Ainda não faz parte dos valores coletivos de nossa cultura empresarial a orientação pelos "fatos e dados", preconizados pelo mestre Falconi e presente no processo decisório de muitas empresas brasileiras de ação global.
Se eu perguntar a uma platéia como estaria a orientação das exportações mundiais de todas as carnes, a visão ufanista afirmaria que seguiram o mesmo caminho das importações, e que hoje aquelas estão lideradas pelo Brasil.
O gráfico III apresenta dados que seguramente surpreenderiam a grande maioria. As exportações mundiais seguem sendo dominadas pelos Países Desenvolvidos. E alerto aos leitores que os dados de 2009 e 2010 devem ser considerados com uma necessária reserva. Ao contrário daqueles de 1965 a 2008, individualizados por países, estes mais recentes traduzem os 30 principais países e estimam os dados dos demais. Eu confesso que ficarei gratamente surpreso se os dados 2009/10 se confirmarem, mas temo que a prevalência dos países desenvolvidos nas exportações mundiais siga em patamares superiores a 60% do total.

Gráfico III
Essa continuidade da prevalência dos países desenvolvidos nas exportações mundiais de carnes deve-se a uma política de generosos subsídios e protecionismo. O dado mais recente disponível sobre as exportações por países data de 2008 e no Gráfico IV apresentamos os dez principais exportadores mundiais naquele ano. Verifiquem que o único país em desenvolvimento que figura desta lista é o Brasil, um estranho no ninho.

Gráfico IV
Ninguém gosta de estranhos no ninho e se busca sempre extirpar quistos. Países europeus e norte-americanos sofreram episódios de BSE, Febre aftosa, HPAI, anaplasmosis Bovina, bluetongue, etc e suas exportações suspensas por períodos mínimos. Se os episódios tivessem ocorrido no Brasil indago se ditas suspensões teriam tido o mesmo tipo de tratamento. A pergunta é naturalmente retórica, pois sabemos bem qual é a realidade de dois pesos e duas medidas quando se trata de avaliar situações sanitárias em países desenvolvidos e em desenvolvimento.
É perfeitamente lícito falar de obstáculos pseudo-sanitários como forma de protecionismo comercial. Dos 10 países que lideram as exportações mundiais, 2 são membros do NAFTA, 7 da União Européia e o Brasil integra o bloco do "eu sozinho", já que o MERCOSUL há muito se desviou de seu propósito de integrar as economias da Região num bloco para ser pautado por uma postura de esquerdismo de centro acadêmico. Enquanto isso os países membros criam obstáculos ao comércio intra-bloco e são habitualmente os primeiros a suspender as importações dos demais membros quando da ocorrência de episódios sanitários. Ao invés de caçarem em bando e se defenderem em bando, o MERCOSUL está se tornando um instrumento de protecionismo, de favorecimento às importações extra-bloco, quando não da facilitação de maquiagens de origem.
Os Estados Unidos e a União Européia dividem com o Japão a primazia dos subsídios à agricultura e os dois primeiros à exportação de seus produtos agrícolas, incluindo nessa postura de suporte o protecionismo sob as formas as mais diversas e em constante processo de inovação. Estão eles errados em defender os interesses de suas economias? Eu diria que não, por mais que condene subsídios à produção agrícola já que geram distorções nocivas e prejudiciais aos países em desenvolvimento e os condenam a uma perenização de sua pobreza. Não sou contra subsídios à agricultura, pelo contrário sou amplamente favorável, sempre e quando esses sejam para garantir a renda do agricultor, o que se pode fazer sem a promoção de gerar excedentes produtivos colocados no mercado internacional por meio de subsídios ou de "ajuda alimentar", esta sempre coincidindo com os excessos produtivos dos países desenvolvidos e não com os episódios de fome em países pobres.
Quando avaliamos a participação percentual desses 10 países nas exportações mundiais de carnes (Gráfico V e Tabela II), verificamos que os sete países da União Européia dominavam as vendas no mercado internacional de carnes até 1995, quando então surge uma potência exportadora, os Estados Unidos, a qual se soma outra em 2005, o Brasil. Somadas essas duas novas potências alcançam 31,1% das exportações mundiais em 2005, percentual que sobe para 34,3% em 2008 e que, segundo dados estimados pela FAO9, teria alcançados 49,1% em 2010.

Gráfico V


Tabela II
Ao constatarmos essa evolução dos Estados Unidos e Brasil é de se indagar se os setores decarnes dos dois países não teriam pontos de convergência a uni-los para além dos óbviospontos de divergência entre dois competidores internacionais? Onde estariam mais bemdefendidos os interesses do campo brasileiro? No MERCOSUL onde ao protecionismo dosvizinhos respondem nossas autoridades com pedidos aos produtores brasileiros para quecompreendam os interesses maiores implícitos nas constantes concessões? No romantismo dodiálogo Sul-Sul, belíssimo para poesia de boas intenções e realidade de não contar com o apoiopara quaisquer das pretensões brasileiras nos organismos internacionais? Ou na busca de acordos bilaterais com quem compartilhamos a condição de potência exportadora e onde osempresários brasileiros de carnes estão presentes como grandes atores?Os interesses presentes no mercado internacional de carnes e suas preparações não sãopequenos. As importações em 2008 somaram mais de US$ 100 bilhões (US$ 103.059.546.000)e movimentaram mais de 35 milhões de toneladas (35.398.081 tm). As carnes de aves e suaspreparações dominam os volumes (cf. Gráfico VII), mas em valores as carnes bovinas e suaspreparações respondem por 31,7% (valor de US$ 32,7 bilhões de dólares), sendo superadapelas importações de carnes suínas e suas preparações.
Gráfico VI

Gráfico VII
Considerando que esta edição circula na FEICORTE, detalharemos a carne bovina, onde o Brasilocupa a liderança das exportações mundiais. Na Tabela III encontra-se como foi compostoesse comércio de carnes bovinas e suas preparações em 2008.

Tabela II
Nas exportações totais de todas as carnes bovinas e suas preparações, o Brasil liderou em2008, seja em quantidade quanto em valores (cf. Gráficos VIII e IX ).

Gráfico VIII

Gráfico IX
Sob o risco de cansar aos leitores com excesso de dados, creio que é indispensável mostrar não somente a situação dos 12 principais países em 2008, mas sua evolução ao longo dos anos.
As Tabelas IV e V traduzem respectivamente a evolução dessas exportações em valores equantidade, com o domínio brasileiro nos anos de 2005 e 2008. Em volume somos os maioresexportadores desde 2004 e em valores essa conquista é mais recente, datando de 2006quando superamos a Austrália que até então detinha a primazia.

Tabela IV

Tabela V
Na Tabela VI, verificamos que em preço médio por tonelada de carne exportada, o Brasil ocupa 9º lugar nessa lista. Há explicação, ou como dizia um ex-chefe meu, há sempre explicação. O mix de produtos exportados difere de um país para outro, assim como o destino dessas exportações. Além disso, os países da União Européia beneficiam-se das vendas intracomunitárias que não estão sujeitas aos impostos de entrada pagos por terceiros países em suas vendas à CEE.

Tabela VI
Os Gráficos X e XI apresentam o crescimento percentual das exportações de 11 desses 12principais países exportadores. Eliminamos a Índia na medida em que suas exportações em1965 eram ínfimas, o que destorceria a apreciação dos gráficos. Os três principais países poreste critério - Alemanha, USA e Brasil - guardam suas posições, tanto no crescimento do valorquanto do volume de suas exportações (cf. Gráficos X e XI).

Gráfico X
Gráfico XI
A partir de 2004 o Brasil constrói uma liderança nas exportações de carnes bovinas, situação que se confirma se considerarmos os dados preliminares divulgados pelo Food Outlook de novembro de 2010 da FAO (cf. Tabela VII). Todos os prognósticos futuros elaborados pelasmais distintas fontes - MAPA, OCDE-FAO, USDA - coincidem na previsão de que essa liderança estaria confirmadas pelo menos até 2019. Quem atua nesse campo de mercado internacional de proteínas animais endossa com facilidade essas previsões. Além disso, empresas brasileiras do segmento bovino estão hoje presentes com operações locais em inúmeros países do mundo, criando, abatendo, transformando e comercializando gado e carnes bovinas. Muitas das exportações de terceiros países são fruto desta atuação e em muitos casos transformaram positivamente as perspectivas da pecuária em alguns desses países. O segmento bovino enfrenta inúmeros desafios futuros. Alguns deles foram brevemente abordados neste artigo, como o aspecto de que a demanda futura por carnes e a preferência por espécies será condicionada pela carência e má distribuição dos recursos naturais no fundo, mormente terra arável e água. As espécies mais eficientes prevalecerão. Isso não significa que a demanda por carne bovina desaparecerá. Entretanto, é inevitável que acarne bovina se torne progressivamente mais cara, fazendo com que os cortes selecionados se tornem artigos de luxo e acessíveis somente aos segmentos de maior renda, que hoje representam < 15% da população mundial. Os produtos transformados de carne bovina estarão cada vez mais presentes na mesa do consumidor mundial. A geografia da produção também mudará fazendo com que países de escassos ou limitados recursos naturais busquem suplementar com importações parcelas da expansão do consumo de suas populações, inevitável na medida em que a renda de suas populações aumente. Nesse cenário um país como o Brasil, onde o trinômio terra, água e fotossíntese está presente tem tudo para manter por décadas uma posição de liderança em produção e exportação decarnes bovinas. Ainda que o berço seja esplêndido não oferece ele segurança de sono tranqüilo e nem garantia de sucesso. O setor de bovinos será obrigado a se re-inventar e a se questionar - até quando poderemos seguir convivendo com uma cabeça por hectare quando a terra, recurso finito, se tornará progressivamente mais cara? Até quando se conviverá sem o conceito de produtividade de água numa espécie que é a campeã no uso do mais escasso de todos os recursos? Até quando prevalecerá 48 meses para se ter um animal pronto quando muitos o produzem em menos da metade desse tempo? Até quando prevalecerá a postura individual, obloco do eu sozinho, num mercado que é global, sujeito a valores e pressões globais? Convido-os a que dediquem uns poucos dias a refletir e a partilhar idéias sobre o futuro do segmento bovino.
Tabela VII






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